domingo, 4 de novembro de 2012



Trigésima Bienal de São Paulo: A Iminência das Poéticas

A emoção do cotidiano








Para o curador desta Trigésima Bienal,
Luiz Pérez-Oramas, venezuelano radicado em Nova Iorque, o objetivo desta Bienal é "oferecer um olhar que faça sentido, um olhar que se faça a si mesmo junto à inteligência e ao olhar dos outros" (http://www.bienal.org.br, acesso em 04/11/2012). Ele desenvolveu seu trabalho em conjunto com André Severo (Brasil), Tobi Maier (Nova Iorque) e Isabela Villanueva (Nova Iorque), e seus objetivos são descritos como: aglutinar, dar espaço para processos artísticos que se colapsam mutuamente e inventar um espaço real. Foram eleitos como conceitos para orientar seu trabalho " sobrevivências", "alterformas", "derivas", "vozes" e "constelações".

Ainda para Luiz Oramas, "a dimensão constelar da Bienal, se encontra, no fim de contas, nos olhos e na mente de cada espectador, na medida em que este se abra à experiência da Bienal" (Idem). Este espaço para estar, aglutina 111 artista e cerca de 3.000 obras. De cada artista estão expostos pelo menos dois processos criativos diferentes, às vezes mais. Estão presentes as três Américas, a Europa, a Ásia e a Oceania. Além da exposição estão em andamento palestras, seminários, ateliês e ações performáticas, até dezembro. Uma "plataforma de encontro para  a diversidade" (Heitor Martins, Presidente da Fundação Bienal São Paulo, Idem).

Durante o longo passeio pelos pavilhões é possível se encontrar-se com todos os tipos de pessoas e de expectativas. Pude ouvir comentários do tipo "nada choca a gente nesta Bienal", "esta Bienal é muito fraca, não tem nada de novo", "grande demais", "de tudo um pouco", entre inúmeros outros. Encontrei uma forma de organizar aquela babel para mim mesma, e compartilho aqui, como forma de iniciar um diálogo. Ou não...

No primeiro pavilhão pareceu-me encontrar o resumo da proposta da mostra, no sentido de que há palavra, imagem em movimento, pintura, escultura e instalação, voltadas para a ideia mesma de iminência... tudo pode acontecer ao transitarmos por ali: decidirmos ir embora, despertar-se nossa curiosidade, ver tantas palavras substituindo imagens que a noção de visual se enevoa, enormes dúvidas e sensações misturadas de sim e de não. De todo modo, há humor nos vídeos e imagens de Ilene Segalove, nos quais o cotidiano feminino revela elementos estéticos nas roupas, nos hábitos e nas experimentações para dar movimento à vida. Há uma delicadeza e uma fragilidade imensas nas instalações de Fernando Ortega, que coloca o mínimo, o milimétrico no centro da vida, como a nos fazer lembrar de que há muito mais entre o céu e a terra do que a nossa vã filosofia pode supor... O pavilhão um dá indícios de que vamos nos encontrar com a arte que está no ato de viver, com uma arte que não quer sair da vida, talvez ao contrário, deseja que a vida se mostre plena de estímulos e de belezas. Uma atmosfera de dúvida e de necessidade de movimento já se instaura, repetindo aos nossos sentidos que será necessário se mover do nosso lugar de observadores para outro de agentes, se quisermos fruir aquela babel inconsútil.

Subindo a rampa, nos deparamos com um alto falante estático: David Moreno dá som a rostos inertes, e repete e repete e repete e repete a figuração deste som, causando uma sensação de barulho e de excesso de vozes não tão dissonantes entre si. Em mim despertou o riso... como tantas  cabeças e línguas poderiam se entender? Nossa atualidade é capaz de se ouvir? O segundo pavilhão pareceu-me reunir toda a iminência vislumbrada pela curadoria... a imagem em movimento, os objetos do cotidiano, as obras que exigem o corpo movimentado do fruidor para existirem, os objetos-de-entrar e a relação com os elementos naturais, com a água e a argila em Nydia Negromonte, sugerem que a arte está, antes de tudo, no ato de viver. Uma doce poesia de simplicidades e temporalidades atravessou meu ser, a ponto de me emocionar várias vezes, e de me colocar num lugar de humildade diante das possibilidades que a vida e o cotidiano oferecem, e que deixamos se esvaírem, sem cuidado e nem importância. Iván Argote "retrata em movimento" o olhar de anônimos na sua relação com uma câmera parada próxima a uma faixa de travessia de pedestres numa movimentada avenida, que pode ser em qualquer lugar do mundo... uma iminência de fama, de contato, de roubo da imagem... o olhar direto para a câmera nos vê, aqui do outro lado, e se comunica conosco, de modo dramático. Nada é dito, e nem precisa, trocar olhares e sorrisos ou caretas já é suficiente para se sentir para além daquela poltrona, num mundo de vidas paralelas e silenciosas. Passo a passo chegamos a Elaine Reichek, aquela que borda a vida como Ariadne, colocando a linha no fio da existência, lembrando o poder da trama e do tecido em registrar e provocar a vida e a arte. Delicadeza e força, feminino e monstruoso relato das relações entre humano e inumano.

O segundo pavilhão causou-me profundos prazeres. Me senti no mundo que a arte poderia (ou pode) realizar, se deixássemos o mercado de lado. Sei, impossível rebobinar a história. Nunca mais nos livraremos da experiência de vender que se inscreveu na nossa carne. Mas ainda se pode delirar com Ian Hamilton Finlay, e ver nos jardins e nas esculturas em pedra um marco da potência do humano de deixar rastros e reelaborar símbolos, transformando sua aplicação e o modo de ser engendrado por eles. O bordado de f. marquespenteado colore e enobrece a roupa, a cortina, a toalha de mesa, a almofada, enfim, a vida de novo. Tudo no cotidiano tem potencial estético, volto a pensar e a repetir em voz alta. Esta é a contemporaneidade da arte? Rodrigo Braga briga com o Tônus, sem dó, sem piedade, sem temperança nenhuma, e oferece "fotografias em movimento" capazes de aglutinar no espírito a dor e a delícia de se ser parte da natureza. E Artur Bispo do Rosário nunca mentiu: se ouvem as vozes pedindo que reorganizemos o mundo, para podermos encontrar os deuses... cada um terá sua oportunidade e seu dia, preparem-se.

O terceiro pavilhão, à parte tudo o que deixei para trás no segundo e que continua povoando minha memória, invade o olhar. Ricardo Basbaum nos oferece um "lugar para estar. A queda de Bas Jan Arder ilimita a vida. A composição em Sigurdur Gudmundsson opõe animado e inanimado como faces de mesma moeda (sic). As instruções de Alan Kaprow, leves e adocicadas, são tão absurdamente atuais na sua singeleza e humanidade que dá um certo medo... medo de esta atualidade sem ele nos fazer esquecer que o que realmente importa é ser, ser junto, estar, estar com, o ser só o é em relação. Sei bem, que o estado de espírito interfere (interioriza e fere) na relação com uma exposição de objetos e ações artísticas. Não me pretendo mais que, ou melhor entendida que, ou qualquer outro mais. Quero compartilhar essa doçura que a Trigésima Bienal me despertou pela vida. Pela simplicidade, pelo cotidiano e pela motivação para viver bem, com luzes e cores, com caprichosas arrumações e religação com o que a vida oferece ininterruptamente. É por isto, quase com certeza mas não somente, que Nino Cais me encantou até o âmago! Sua cozinha, seu corredor, sua área e sua prancheta descobrem a vida toda o tempo todo! Obrigada!!!

 Poderia continuar escrevendo sem parar... sobre erotismo, sobre repetição, sobre igualdade na diferença, sobre fotografia, sobre óleo sobre tela, sobre cor e sobre sombras. Tudo em mim está delicadamente remexido, ou em turbilhão absoluto, ou ainda em dúvida. Ser no mundo, é a minha primeira conclusão do que quiseram dizer as Iminências das Poéticas.



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