“Delírio & Vertigem”
Espetáculo teatral, 15ª montagem do Projeto Oficinão do
Galpão Cine Horto/ BH/MG. O projeto consiste na realização de processos
criativos e de experimentação sobre a arte da cena, desenvolvida no decorrer de
um ano com apresentação do resultado para público. Esta edição comemora os
quinze anos do projeto que recebe artistas de todo o país. Para a direção do
trabalho foi convidada por seus coordenadores a atriz, diretora a professora de
teatro Rita Clemente. Como parceiros, a diretora convidou Jô Bilac, dramaturgo,
e a diretora de arte Luciana Buarque. Também esta edição marcou a interação
entre os Núcleos de Pesquisa em Iluminação, Cenografia e Figurino, também
desenvolvidos pelo Galpão Cine Horto.
Rita Clemente escreve no programa do espetáculo que baseou
todo o processo de trabalho na perspectiva de criação de um espetáculo, que
optou pela utilização de textos prontos, de modo a que a função de intérprete
pudesse ser priorizada pelos participantes, de modo a traduzir o desejo de
“atribuir novas perspectivas e fisionomias para a obra de um dos principais nomes
da nova dramaturgia brasileira”.
Vê-se em cena atores jovens e talentosos, interessados em
realizar a cena, em criar atmosferas e desenvolver suas habilidades. O
espetáculo são dois: Delírio é de onde partiram, e Vertigem é para onde vão.
Numa sucessão de cenas que se tangenciam levemente, os atores e atrizes se
colocam corporal e oralmente, buscando revelar o que de humano e de inumano
persiste nas relações entre pais, mães, irmãos, namorados, cônjuges e
desconhecidos, reunidos em situações delirantes. A vertigem fica por conta da
repetição de situações em tempos e com fisionomias diferentes, criando uma
sensação de moto contínuo e de repetição da vida.
A direção se mostra clara, segura, todos caminham no sentido
da teatralidade, como a possibilidade de mostrar a vida e as pessoas nas várias
dimensões que a realidade pode revelar, quando vista sob o prisma da arte. As
ações, tanto corporais quanto vocais, nos levam para aquele mundo surreal e ao
mesmo tempo cotidiano, nos conduzem numa trajetória povoada de características
humanas capazes de nos atormentar e surpreender, e de maneira doce e divertida.
As palavras voam da cena para nossas percepções, desenhando ideias novas,
mundos estranhos e questões sobre quem somos nós e porque agimos como agimos.
A dramaturgia é inteligente e perspicaz. Os diálogos são
claros, diretos e poéticos. E tanto o trabalho dos atores quanto da direção,
foram felizes na construção das ações vocais, que valorizam as palavras com
entonações bem colocadas e com uma melodia delirante para a falação contínua
dos personagens.
A atuação é limpa, econômica, viva. Cada um daqueles jovens
se coloca em cena exteriorizando um prazer atraente aos nossos olhos
espectadores. O estilo realista de atuação se desdobra num hiper-realismo,
capaz mesmo de fazer emergir a teatralidade em pequenos gestos, caminhadas,
quedas e pausas. O realismo, almeja que a humanidade dos personagens se mostre
em sua plenitude e que a presença dos atores seja subsumida na nossa relação
com a cena. O hiper-realismo, por outro lado, busca enfatizar os atos
cotidianos de modo a que transpirem deles seus clichês e suas particularidades,
valorizando-os e compondo com eles criaturas críveis e inusitadas. Vemos no
“Delírio” os elementos de uma humanidade atual, de uma humanidade tresloucada
por valores morais e afetivos construídos pela publicidade e pela tentativa de
se tornar notícia. Na “Vertigem”, no entanto, a juventude do elenco ameniza
esta humanidade louca, e o que poderia ser uma catarse, a assunção de um prazer
e de uma angústia diante desta humanidade mediatizada, se dilui um tanto, sem
contudo, nos deixar à deriva na atmosfera construída. Presenciamos momentos
equilibrados de atuação em cena consciente, e que parece dar prazer a cada um
dos atores e atrizes.
Os elementos plásticos do espetáculo completam essa atmosfera
construída. As cores branco, preto, prata e verde metálico, mapeiam uma
produção de roupas, sapatos, adereços e ambientes comuns na nossa atualidade,
no entanto na combinação desenvolvida na cena, eles nos colocam diante de um
mundo de texturas e ênfases hiper-realista. Delirante para o olhar, vertiginoso
para o senso estético.
De fato, “Delírio & Vertigem” é bom teatro. Inteligente,
questionador, divertido e revelador.