Texto, dramaturgia, cenário, direção e atuação:
Alexandre Cioletti e
Rômulo Braga
Provocação:
Ton Guimarães
Cenotécnico:
Artes Cênicas
Produções
Vídeo-cenografia e Trilha Sonora:
Liga lingha
Ator do Vídeo:
Luã Romeu
Cinematógrafo:
Lucas Barbi
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Iluminação:
Marina Arthuzzi
Figurino:
Laura Ricciarddi
Foto:
Ana Ricciarddi
Programação Visual:
Márcio Miranda e Samuel Araujo
Assessoria de
Imprensa:
Astronauta Comunicação – Adilson Marcelino e Lucas Ávila
Produção Executiva:
Insight Comunicação e Cultura
Produção e
Realização:
Capote Companhia
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“Mergulhados em nossas próprias intuições, deixamos para trás, ou
melhor, atropelamos todas as regras, infringimos todas as leis, ignoramos todas
as cartilhas, teorias e ensinamentos e criamos um ‘jeito novo’ de fazer teatro,
um jeito ‘nós mesmos’. Pretencioso? Humildemente afirmamos que não é. É apenas
a verdade.”
Alexandre Cioletti e Rômulo Braga.
Um
dos alimentos mais interessantes do teatro é a coragem do ator de se aventurar,
de romper barreiras, de ignorar as formas consagradas e que garantem boa
aceitação por parte de público e crítica. A aventura pode ser desencadeada no
teatro pelo encenador, pelo produtor, por propostas coletivas, mas só consegue
de fato se realizar quando o ator a abraça e se joga nela.
Um pequeno lapso de razão reinventa
algumas coisas, repete outras e abre espaço para nós, espectadores, para olhar
a cena do ponto de vista da razão. Digo isto pensando nas palavras dos atores,
acima transcritas. O “jeito novo de nós mesmos” traz elementos tradicionais do
teatro como drama, mas possibilitou que dois dos melhores atores da geração
mais jovem de Belo Horizonte se mostrassem nas suas íntimas percepções do que possa
ser este teatro.
Em
cena, mãe e filho descortinam memórias de solidão, de inércia, de
insatisfação, marcadas por uma necessidade de deixar a vida passar... de não
fazer esforço pela vida, que afinal, naquele tempo-espaço, não se mostra
atraente, e é quase invisível. A extrema pobreza e a ausência de quase tudo,
coloca as duas vidas na errância, na impossibilidade do futuro, fazendo do presente
a única perspectiva. Aquele é um menino que não se torna homem, aquela é uma
mãe que se recolheu ao nada, que talvez esteja realmente morta, aquela
materialidade mínima alimenta a ignorância do mundo, que aquele jovem nem sabe
que é a sua vida.
O
drama é uma cena que tem sido estudada por vários autores, mas que encontrou em
Peter Szondi (Cosac Naify, 2011) um porta-voz confiável e lúcido para suas
questões. Este autor chama atenção para o fato de que esta forma se concentra
na reprodução das relações inter-humanas, que o diálogo traduz a essência de
sua composição, e que a mediação que ele exercita é do individualismo da forma,
da existência de si em si mesmo, sem parceiros nem concorrentes. O drama se
absolutiza. Há uma relação com a modernidade na produção do drama. Anne
Cauquelin (Martins Fontes, 2005) sugere que
a modernidade se caracteriza pelo transitório, pelo fugidio e pelo contingente.
Na teoria de Peter Szondi, o drama não é algo que se encontra em qualquer tempo
e lugar, contudo, sua esfera de existência é o “estar entre”, o exercício da
liberdade e simultaneamente do compromisso, da vontade e da decisão. As
relações entre drama e modernidade emergem deste confronto entre o que é a
situação e o como está o indivíduo nela, sua possibilidade de mudar e reverter,
manter e continuar, por decisão própria.
O
drama construído por Cioletti e Braga, a partir de “suas intuições”, traz
marcas de um mundo pós-moderno, mas não se desvincula da modernidade do teatro.
O diálogo é o princípio básico da experimentação dos atores, e gira em torno da
definição da personalidade das personagens em cena. Da modernidade escolhe a assunção
do fugidio, que deixa marcas vazias, que nem precisam ser conservadas porque
não adquirem nenhum significado para o depois. Papéis, imagens, objetos do
cotidiano, em quantidade mínima, são as materialidades que fundem o grotesco da
vida com o sublime do diálogo dramático, envolvido por delicadas vozes suaves,
que tornam aquelas relações femininas e amorosas. Os atores se apequenam e se
tornam delicados para entrar no drama da falta de amor de uma mãe por um filho,
talvez indesejado, que talvez tenha chegado numa vida que já lhe era imprópria.
O drama da vida vazia transparece no vazio que os atores constroem em cena. E não foge da regra dramática.
Muitas
são as repetições, que em si não tiram o mérito da experimentação a que se
propõem aqueles atores. A pobreza estereotipada, a falta de crueldade da personagem infante, a ausência de raiva naqueles seres etéreos demais. Mesmo com todas estas repetições clichês do drama moderno, os
atores nos emocionam várias vezes. Sua entrega cria uma atmosfera de
teatralidade que nos envolve. O ritmo ainda titubeante, no dia em que pude vê-los
em cena, dá a dimensão de seu mergulho numa criação cheia de incertezas. E o
mergulho mostra o terrível drama da vida fragmentada e desequilibrada do mundo
pós-moderno.
Um
pequeno lapso de razão tem várias possibilidades ainda em germe. Pode ser
um grande drama pós-moderno (que me permitam esta licença ainda poética), tem
intensidade e desejo, mas ainda está tímido diante de suas próprias qualidades.