“Um
espetáculo autobiográfico sobre quatro jovens amigos que, reunidos num quarto,
revivem, encenam e discutem questões de sua adolescência e juventude. Laura,
Luciana, Malu e Matheus são os atores-personagens da peça, cuja dramaturgia
reúne prioritariamente textos escritos por eles como cartas, excertos de
diário, entre outros, que são assumidos tanto pelo seu autor quanto pelos
colegas. Aos textos pessoais somam-se fragmentos do clássico romance O apanhador no campo de centeio (J.
Salinger), músicas, manifestos, imagens, buscando recriar o imaginário desses
personagens.” (Texto do Programa)
Textos e Atuação: Laura Canedo, Luciana Leitte, Malu
Falabella e Matheus Soriedem.
Dramaturgia e Encenação: Juarez Guimarães Dias e Léo Quintão
Preparação Vocal: Priscilla Cler
Espaço Cênico: Ed Andrade
Realização: Cia. Pierrot Lunar (BH/MG)
Projeto Pierrot Teen
O Projeto Pierrot Teen é o resultado do “encontro entre
quatro jovens atores e uma companhia de teatro”. O objetivo é o de compartilhar
a experiência profissional da Cia. Pierrot Lunar, sustentada nos pilares da
pesquisa de linguagem teatral, do modo de ser ator e da dramaturgia narrativa
construída em sala de ensaio. Segundo o Programa, a proposta para a elaboração
do espetáculo surgiu de uma insatisfação dos jovens atores, que não se sentiam
representados pelo teatro que faziam e nem pelo que assistem na atualidade. No
decorrer de um ano de trabalho, o Projeto se desenvolveu por meio de encontros,
workshops e a encenação propriamente
dita. Este processo de formação é, no dizer de Juarez Guimarães Dias, “a formação
do artista, que acredita a Cia., se realiza quando se decide escolher
linguagens para expressar sua visão de mundo, assumindo sua personalidade e
suas convicções e rompendo as fronteiras da vida social para interferir nela,
provocar, dividir as incertezas”. Para alcançar estes desdobramentos, o teatro
é reconhecido como “espaço de conhecimento e de experiência sobre aspectos da
nossa existência”.
O Projeto Pierrot Teen é também um espaço de experimentação
de aspectos da produção executiva dos espetáculos teatrais, e nesse particular
lançou mão do financiamento colaborativo por meio de redes sociais, e com ele conseguiu
os recursos necessários para viabilizar a cenografia, figurinos, iluminação,
divulgação e remuneração de técnicos.
Durante a apresentação é possível perceber os princípios
escolhidos pela Cia. Pierrot Lunar para a pesquisa sobre a atuação ao vivo,
sendo desenvolvidos pelos jovens atores: a performance ator-narrador e
personagem-narrador; a dramaturgia narrativo-descritiva e uma relação direta
com o espectador. Ainda que estes princípios transpareçam estar em estado de
iniciação, e que a movimentação e utilização do corpo como suporte da cena
contenham certos clichês, tais como o “chão quente” e gestos evasivos de mãos e
rosto, o longo caminho da formação se mostra na direção de realizar a proposta
da consciência desta cena. Os textos tem carga dramática desenvolvida e se
comunicam com várias memórias do espectador. Quanto à relação direta com este,
pode-se perceber que está ainda no nível do espaço irreal de resposta, talvez
porque os próprios espectadores não tenham sido “formados” para uma
participação que completa o espetáculo.
Me parece importante chamar atenção para a necessidade de continuar
pesquisando e preparando os jovens atores para a consistência do corpo em cena.
Será necessário esclarecer as características corporais de cada atuante e
auxilia-los a utiliza-las cenicamente. Um trabalho a ser desenvolvido pelos
encenadores e pela Companhia, na medida em que o grupo puder se distanciar e
observar-se a si mesmo. As ações vocais, que são inventivas e variadas, se
tornarão mais e mais conscientes, na medida em que a convivência com a plateia
promover a percepção e o domínio do ritmo da narrativa.
O método de formação em exercício, que é como entendemos a
proposta do Pierrot Teen, é muito interessante e próprio ao trabalho de grupo.
Transparece e encoraja a pesquisa da Cia. e dos atores em formação, na medida
em que leva para cena as próprias questões que dele emergem. Parece haver uma
iminência de reflexão sobre os resultados individuais dentro desta formação,
papel que o diário de trabalho deveria auxiliar a cumprir, e que certamente a
direção do projeto tem levado em consideração.
A encenação é leve, colorida, intensa e provocativa. Como a
adolescência que ela procura retratar. A escrita cênica, objetivo da pesquisa
da Cia Pierrot Lunar, vai se desenhando pela atmosfera de intimidade e de
confissão que se instaura entre a área de jogo cênico e a área de acomodação
dos espectadores-participantes-ouvintes. A fragmentação é um pano de fundo que
dá conta tanto do universo lúdico ao qual somos convidados, de juventude e suas
crises e descobertas, quanto da sua presentação no ambiente que nos reunimos. Cenas
e assuntos aparentemente desconexos entre si vão compondo diante de nossa
percepção seres imaginários e suas vidas. A proximidade entre nós faz com que
nos vejamos a fundo, partilhemos pequenas reações e alguns sustos. A iluminação
suave que contempla todos os presentes, nos fazendo sentir parte de uma
“parede” que protege os atores-personagens do mundo de fora, completa nossa
sensação de participar de momentos de sinceridade e de delírio, também próprios
ao contexto do adolescente e do teatro.
A experiência de participar de um diálogo sobre nós mesmos,
nosso eu jovem e o jovem da atualidade é deliciosa! Cada um destes
atores-meninos-meninas certamente seguirá sua trajetória artística imantado
pela certeza de que o teatro ultrapassa as barreiras contra o entendimento, a
verdade e a justiça, porque encoraja a fantasia, o afeto e o pertencimento a
uma comunidade, por maior e mais fragmentada que ela seja.
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