ARGONAUTAS
DE UM MUNDO SÓ
Espetáculo
teatral – Belo Horizonte / MG
Direção:
Júlio Vianna
Atuadores:
Alexandre Vasconcelos, Flávia Fernandes, Glauco Mattos e Priscilla D’Agostini.
Dramaturgia:
Éder Rodrigues e Júlio Vianna.
O
nome argonauta suscita a mitologia, evoca a aventura, implica a viagem.
Viajantes de um mundo só, único, solitário, esses são os argonautas que se
deslocam pelo universo sem se levantar de uma cadeira, tendo à sua frente o
espelho e a janela-tela do oráculo-computador, esses são os argonautas
teatrais, propostos. O nome designa a expectativa a ser despertada em quem
participa deste recorte de tempo e de espaço... e faz jus à perspectiva
mostrada e às aventuras mentais propostas pelos espetáculo.
A
ocupação do espaço cênico remete ao acúmulo de janelas de uma tela midiática:
telões de vários tamanhos deslizam sobre o palco, ora iluminadas ora
iluminando, a ação, os atuadores ou o espaço. A sensação de movimento e
amontoamento se desdobra até nós, na plateia, e nos faz incomodar-nos com a
perspectiva de conviver com tantas “próteses”, tantos objetos com uma única
função: preencher um vazio que não está fora, está no entre nós e o outro.
Praticáveis trazem de volta um teatro dos anos 1970, no qual todo o mundo era
recriado em volumes e alturas, sugestionando que imaginássemos a vida, sem que
fosse preciso demonstra-la. A pergunta que me veio foi da efetividade de tantas
telas... os códigos se misturam nessa opção por muitas, pois se podemos vê-los
em ação dentro e fora da tela-espelho, podemos ampliar nossa angústia ao
perceber que basta uma tela para que nossa vida se congele no mundo
“virtual/virtualizado/virtualizante”, sugerido pelo diretor no programa da
peça.
Uma
questão pode mover a reflexão sobre este espetáculo. Sim, porque ele
espetaculariza, de modo teatral ações, relações, inatividade, confusão ética e
manias, de modo coerente e estimulante. A projeção da imagem dos atuadores se
imiscui nas ações e se confunde com suas presenças ao vivo. Dialogam de modo
corajoso e respondem ao princípio da fragmentação, se relacionando ao mundo
midiático e aos seus canais de expressão: computador, redes, vídeos. Contudo,
uma certa necessidade de “ser teatral” interrompe o fluxo das imagens-ações,
tentando manter o ator no palco. Explico: em vários momentos, atuadores, como
se autodenominam em seu programa, representam estar dentro da tela, buscando
velocidades e mudanças de entonação, como a teatralizar a tela. Esta opção
mostra uma incerteza sobre se manter no limite entre as linguagens, entre
abandonar o teatral convencional e investigar o teatro nas suas relações com a
imagem em vídeo e sua projeção na cena. Por quê?
Respostas
difíceis. O que leva um fazedor de teatro a escolher um tema e ao realizar seu
espetáculo não verticalizar sua relação com ele? Em “Argonautas de um mundo só”
existem relações com a tecnologia que proporcionam envolvimento e percepções
sobre o mundo virtual no qual, diz o espetáculo, nos perdemos da vida. Mas a
tecnologia é parte do espetáculo como objeto de cena, não como filosofia de
relação com o espectador. Claro, a opção de encenação é do grupo, e cada um
pode fazer a sua, mas há uma perda em se misturar em demasia os códigos de
cena, de modo que a tecnologia saia do
foco para revalidar o teatro de palco.
A
caracterização dos personagens segue o contexto do teatro dos anos 1970: roupas
básicas e que representam o caráter básico daquele, alguns acessórios que
aparecem e desaparecem para gerar atmosferas e associações, e cumprem uma
função teatral de estabelecer um personagem. O contexto de relações com o mundo
pós-moderno é que fica a meio caminho, uma vez que em todos os tipos de pessoas
existe um navegador compulsivo, perseguido pelos promotores de venda das
redes... não há os “consumidores de redes” típicos, não mais.
Os
argonautas mostram ideias inteligentes, movimentação coerente, imagens
projetadas como cenários, e diálogos consistentes. Mas deixam o mundo virtual
como temática, e insistem em ser teatrais diante dele, confundido o código que
propõem, colocando o espectador no mio caminho: nem está diante do teatro nem
se confronta com a tela...