terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Argonautas de um mundo só





ARGONAUTAS DE UM MUNDO SÓ

Espetáculo teatral – Belo Horizonte / MG
Direção: Júlio Vianna
Atuadores: Alexandre Vasconcelos, Flávia Fernandes, Glauco Mattos e Priscilla D’Agostini.
Dramaturgia: Éder Rodrigues e Júlio Vianna.



O nome argonauta suscita a mitologia, evoca a aventura, implica a viagem. Viajantes de um mundo só, único, solitário, esses são os argonautas que se deslocam pelo universo sem se levantar de uma cadeira, tendo à sua frente o espelho e a janela-tela do oráculo-computador, esses são os argonautas teatrais, propostos. O nome designa a expectativa a ser despertada em quem participa deste recorte de tempo e de espaço... e faz jus à perspectiva mostrada e às aventuras mentais propostas pelos espetáculo.

A ocupação do espaço cênico remete ao acúmulo de janelas de uma tela midiática: telões de vários tamanhos deslizam sobre o palco, ora iluminadas ora iluminando, a ação, os atuadores ou o espaço. A sensação de movimento e amontoamento se desdobra até nós, na plateia, e nos faz incomodar-nos com a perspectiva de conviver com tantas “próteses”, tantos objetos com uma única função: preencher um vazio que não está fora, está no entre nós e o outro. Praticáveis trazem de volta um teatro dos anos 1970, no qual todo o mundo era recriado em volumes e alturas, sugestionando que imaginássemos a vida, sem que fosse preciso demonstra-la. A pergunta que me veio foi da efetividade de tantas telas... os códigos se misturam nessa opção por muitas, pois se podemos vê-los em ação dentro e fora da tela-espelho, podemos ampliar nossa angústia ao perceber que basta uma tela para que nossa vida se congele no mundo “virtual/virtualizado/virtualizante”, sugerido pelo diretor no programa da peça.

Uma questão pode mover a reflexão sobre este espetáculo. Sim, porque ele espetaculariza, de modo teatral ações, relações, inatividade, confusão ética e manias, de modo coerente e estimulante. A projeção da imagem dos atuadores se imiscui nas ações e se confunde com suas presenças ao vivo. Dialogam de modo corajoso e respondem ao princípio da fragmentação, se relacionando ao mundo midiático e aos seus canais de expressão: computador, redes, vídeos. Contudo, uma certa necessidade de “ser teatral” interrompe o fluxo das imagens-ações, tentando manter o ator no palco. Explico: em vários momentos, atuadores, como se autodenominam em seu programa, representam estar dentro da tela, buscando velocidades e mudanças de entonação, como a teatralizar a tela. Esta opção mostra uma incerteza sobre se manter no limite entre as linguagens, entre abandonar o teatral convencional e investigar o teatro nas suas relações com a imagem em vídeo e sua projeção na cena. Por quê?

Respostas difíceis. O que leva um fazedor de teatro a escolher um tema e ao realizar seu espetáculo não verticalizar sua relação com ele? Em “Argonautas de um mundo só” existem relações com a tecnologia que proporcionam envolvimento e percepções sobre o mundo virtual no qual, diz o espetáculo, nos perdemos da vida. Mas a tecnologia é parte do espetáculo como objeto de cena, não como filosofia de relação com o espectador. Claro, a opção de encenação é do grupo, e cada um pode fazer a sua, mas há uma perda em se misturar em demasia os códigos de cena, de modo que a tecnologia  saia do foco para revalidar o teatro de palco.
A caracterização dos personagens segue o contexto do teatro dos anos 1970: roupas básicas e que representam o caráter básico daquele, alguns acessórios que aparecem e desaparecem para gerar atmosferas e associações, e cumprem uma função teatral de estabelecer um personagem. O contexto de relações com o mundo pós-moderno é que fica a meio caminho, uma vez que em todos os tipos de pessoas existe um navegador compulsivo, perseguido pelos promotores de venda das redes... não há os “consumidores de redes” típicos, não mais.

Os argonautas mostram ideias inteligentes, movimentação coerente, imagens projetadas como cenários, e diálogos consistentes. Mas deixam o mundo virtual como temática, e insistem em ser teatrais diante dele, confundido o código que propõem, colocando o espectador no mio caminho: nem está diante do teatro nem se confronta com a tela...