domingo, 21 de julho de 2013

SUBO PARA ESQUECER O QUE DEBAIXO JÁ NÃO CONSIGO VER



Espetáculo Cortejo
Carabina Cultural (MG)

Direção Geral: Carlos Canela
Direção de Produção: Cris Gil
Preparação Corporal e Assistência de Direção: Fábio Furtado
Direção de Arte: Ricca
Coordenador Técnico: Bruno Cerezoli
Trilha Sonora: Sérgio Pererê
Elenco: Diego dos Santos, Fábio Schmidt, Fernanda Flores, Frederico Alves, Lissandra Guimarães, Pablo Barcelos, Ricardo Righi e Suzana Markus.

O roteiro se baseia no processo de evolução do homem através da história, partindo de um ser completo, em relação harmônica com a natureza, até o ser humano moderno, limitado, reprimido e cada vez mais distante de si. O espetáculo apresenta “fases” que vão estabelecendo limites para esse homem que pretende viver em sociedade. E essas fases são: Busca de sobrevivência / alimentos; Guerras/ limites e territórios; Religiões/ punição divina/ abstinência e pudor; Moral, Regras e Limites/ comportamentos sociais; Etiqueta e Estética/ moldar o comportamento; Leis, Poder e a Autoridade.” (Do Prezi divulgado na rede internet)



Um cortejo de imagens e provocações, que invade a noite, sim, a noite, para projetar imagens desconexas e poéticas. De um caminhão barulhento, parte de uma metáfora inteligente sobre o que é a carga pesada que os corpos contemporâneos carregam atrás de si, e dele surgem imagens que compõem um dicionário de encantamentos para os olhos.

O cortejo se desloca e define lugares de parada, nos quais são cultuadas as imagens das fases eleitas pelo autor como emblemáticas da cultura que nos atravessa. Começando pela busca e conquista do alimento, vemos desfilar diante de nossos olhos frutas, flores e o fogo, nos levando a memórias ancestrais. Os atores e atrizes deslocam-se em figuras geométricas junto de nós, articulando um conflito entre o desejo e a necessidade. Objetos manipuláveis formam superfícies de reflexão, nas quais as imagens passeiam, preenchendo o espaço. A vida que emana daqueles corpos em atuação, a intensidade que são capazes de imprimir àquele momento e, acima, de tudo, a inumanidade de suas presenças, forçam uma atenção e despertam uma dúvida, que encantam o olhar e o pensamento.

O fogo mudou  a face do mundo, e o mundo passou a se reunir em torno daqueles que podiam controla-lo de alguma forma. O culto e a divindade passaram a ocupar o espaço do diálogo, e os atores e atrizes nos levam em busca de uma atitude, de uma reflexão, de uma decisão sobre qual a religião que sobra depois da disputa pelo poder. Qual religião consegue atingir o âmago de nossas almas, e como aquele teatro pode nos confundir... eis a dúvida que se intensifica. Cheguei a me perguntar qual o objetivo daquele desfile de imagens duras, de guerras e de atos criminosos, homicídios em massa, fingimento e manipulação ideológica. Mas a arte não tem de responder a perguntas... talvez, seja seu papel fazer muitas, muitas perguntas...

Depois da guerra e da imposição do comportamento machista, mesquinho e avarento, nos vemos diante de uma coleção de imagens piegas, do tipo “retrato da mamãe”. Será que de tão maquinizados, de tanto conviver com o mundo tridimensional, com o fora do planeta e com o extremamente pequeno só visível pelas máquinas de aumento da capacidade de visão, nos tornamos românticos? Embora as palavras, os textos orais, que fazem parte do cortejo não sejam lineares, a inserção da palavra de ordem dos anos 1970, “resista”, destoa da aura futurista que até então se desenvolvia aos nossos olhos. A palavra traiu a imagem. Se fez ilustrativa e ingênua.

Um espetáculo para a rua, que realmente se realiza na rua, com sua iluminação, com seu calçamento, com suas paredes e sonoridade irritante. Um projeto de inserção de imagens no cotidiano de uma rua qualquer, e a possibilidade de ler a união entre estes elementos de maneira provocadora. Este cortejo incita à discussão. Não esclarece ideias, e poderia ter se mantido de fora de posicionamentos contra e/ou a favor de comportamentos, poderia ter se mantido provocador, mas opta por militar de modo hippie ao final. Lembra uma passeata dos anos 1970, onde o rock, as drogas e o sexo eram mais importantes que a ocupação do espaço público.

É, sem  dúvida, uma realização cênica de grande porte. As ideias cênicas tem intensidade e mudam a cara da rua. Os atores se mostram fortes, seus movimentos desenhados se comunicam com nosso pensamento e com nossos sentimentos. As imagens projetadas são inteligentes, em sua maioria, mas resvalam numa ingenuidade publicitária em vários dos quadros. Tudo isso poderia ser marcante e inspirador, não fosse o final romântico... Insistir na ideia da resistência soa como um apelo ao passado. Um passado que não deve voltar, pois não seremos nunca mais os pobres seres humanos submetidos à natureza.

Um espetáculo que traz em si a modernidade, mas que remete a seres humanos pré-modernos. Por que será que a arte da imagem deste encenador se pautou pela articulação publicitária? Qual terá sido seu pensamento? Na cena, a imagem pode desenvolver outros caminhos que não o da demonstração e sugerir novas possibilidades para o pensamento? Outros espetáculos já o conseguiram. A opção por ícones típicos do mundo da promoção, da venda e do consumo, embora coerente com a proposta de enxergar o mundo em que se vive, não avança na sua percepção, somente o demonstra. Talvez alguns espectadores tenham se movido de seus lugares de conforto, como observadores do mundo; lugar em que foram colocados, também, pela publicidade. Mas a maioria, de acordo com seus comentários, viu mais do mesmo, e não se sentiu impelido a refletir... Saiu do cortejo como entrou: sem ideias novas.