Espetáculo Cortejo
Carabina Cultural (MG)
Direção Geral: Carlos Canela
Direção de Produção: Cris Gil
Preparação Corporal e Assistência de Direção: Fábio Furtado
Direção de Arte: Ricca
Coordenador Técnico: Bruno Cerezoli
Trilha Sonora: Sérgio Pererê
Elenco: Diego dos Santos, Fábio Schmidt, Fernanda Flores,
Frederico Alves, Lissandra Guimarães, Pablo Barcelos, Ricardo Righi e Suzana
Markus.
“O roteiro se baseia no processo de evolução
do homem através da história, partindo de um ser completo, em relação harmônica
com a natureza, até o ser humano moderno, limitado, reprimido e cada vez mais
distante de si. O espetáculo apresenta “fases” que vão estabelecendo limites
para esse homem que pretende viver em sociedade. E essas fases são: Busca de
sobrevivência / alimentos; Guerras/ limites e territórios; Religiões/ punição
divina/ abstinência e pudor; Moral, Regras e Limites/ comportamentos sociais;
Etiqueta e Estética/ moldar o comportamento; Leis, Poder e a Autoridade.”
(Do Prezi divulgado na rede internet)
Um
cortejo de imagens e provocações, que invade a noite, sim, a noite, para
projetar imagens desconexas e poéticas. De um caminhão barulhento, parte de uma
metáfora inteligente sobre o que é a carga pesada que os corpos contemporâneos
carregam atrás de si, e dele surgem imagens que compõem um dicionário de
encantamentos para os olhos.
O
cortejo se desloca e define lugares de parada, nos quais são cultuadas as
imagens das fases eleitas pelo autor como emblemáticas da cultura que nos
atravessa. Começando pela busca e conquista do alimento, vemos desfilar diante
de nossos olhos frutas, flores e o fogo, nos levando a memórias ancestrais. Os
atores e atrizes deslocam-se em figuras geométricas junto de nós, articulando
um conflito entre o desejo e a necessidade. Objetos manipuláveis formam
superfícies de reflexão, nas quais as imagens passeiam, preenchendo o espaço. A
vida que emana daqueles corpos em atuação, a intensidade que são capazes de
imprimir àquele momento e, acima, de tudo, a inumanidade de suas presenças,
forçam uma atenção e despertam uma dúvida, que encantam o olhar e o pensamento.
O
fogo mudou a face do mundo, e o mundo
passou a se reunir em torno daqueles que podiam controla-lo de alguma forma. O
culto e a divindade passaram a ocupar o espaço do diálogo, e os atores e
atrizes nos levam em busca de uma atitude, de uma reflexão, de uma decisão
sobre qual a religião que sobra depois da disputa pelo poder. Qual religião
consegue atingir o âmago de nossas almas, e como aquele teatro pode nos
confundir... eis a dúvida que se intensifica. Cheguei a me perguntar qual o
objetivo daquele desfile de imagens duras, de guerras e de atos criminosos,
homicídios em massa, fingimento e manipulação ideológica. Mas a arte não tem de
responder a perguntas... talvez, seja seu papel fazer muitas, muitas
perguntas...
Depois
da guerra e da imposição do comportamento machista, mesquinho e avarento, nos
vemos diante de uma coleção de imagens piegas, do tipo “retrato da mamãe”. Será
que de tão maquinizados, de tanto conviver com o mundo tridimensional, com o
fora do planeta e com o extremamente pequeno só visível pelas máquinas de
aumento da capacidade de visão, nos tornamos românticos? Embora as palavras, os
textos orais, que fazem parte do cortejo não sejam lineares, a inserção da
palavra de ordem dos anos 1970, “resista”, destoa da aura futurista que até
então se desenvolvia aos nossos olhos. A palavra traiu a imagem. Se fez
ilustrativa e ingênua.
Um
espetáculo para a rua, que realmente se realiza na rua, com sua iluminação, com
seu calçamento, com suas paredes e sonoridade irritante. Um projeto de inserção
de imagens no cotidiano de uma rua qualquer, e a possibilidade de ler a união
entre estes elementos de maneira provocadora. Este cortejo incita à discussão.
Não esclarece ideias, e poderia ter se mantido de fora de posicionamentos
contra e/ou a favor de comportamentos, poderia ter se mantido provocador, mas
opta por militar de modo hippie ao
final. Lembra uma passeata dos anos 1970, onde o rock, as drogas e o sexo eram
mais importantes que a ocupação do espaço público.
É,
sem dúvida, uma realização cênica de
grande porte. As ideias cênicas tem intensidade e mudam a cara da rua. Os
atores se mostram fortes, seus movimentos desenhados se comunicam com nosso
pensamento e com nossos sentimentos. As imagens projetadas são inteligentes, em
sua maioria, mas resvalam numa ingenuidade publicitária em vários dos quadros.
Tudo isso poderia ser marcante e inspirador, não fosse o final romântico...
Insistir na ideia da resistência soa como um apelo ao passado. Um passado que
não deve voltar, pois não seremos nunca mais os pobres seres humanos submetidos
à natureza.
Um
espetáculo que traz em si a modernidade, mas que remete a seres humanos
pré-modernos. Por que será que a arte da imagem deste encenador se pautou pela
articulação publicitária? Qual terá sido seu pensamento? Na cena, a imagem pode
desenvolver outros caminhos que não o da demonstração e sugerir novas
possibilidades para o pensamento? Outros espetáculos já o conseguiram. A opção por
ícones típicos do mundo da promoção, da venda e do consumo, embora coerente com
a proposta de enxergar o mundo em que se vive, não avança na sua percepção,
somente o demonstra. Talvez alguns espectadores tenham se movido de seus
lugares de conforto, como observadores do mundo; lugar em que foram colocados,
também, pela publicidade. Mas a maioria, de acordo com seus comentários, viu
mais do mesmo, e não se sentiu impelido a refletir... Saiu do cortejo como
entrou: sem ideias novas.