Os
critérios são muitas vezes pouco explícitos e só raramente concernem ao puro
valor artístico da produção cênica. Seria preciso então, de fato, determinar o
que o evento teatral tem de artístico e como se deveria avalia-lo. Seria
preciso igualmente apreciar se a obra se originou de uma experiência autêntica
do artista, se ela corresponde ao discurso implícito e à espera de uma época,
ou se a inovação que ela representa é superficial e banal como o observa Pierre
Gaudibert a propósito das artes plásticas – mas a coisa vale também para o
teatro:
Hoje, existe uma confusão entre a inovação
real – a da linguagem e dos signos – que encontramos nas grandes criações, que
modifica a percepção, as atitudes psíquicas e mentais e uma motivação
vanguardista traduzida em modificações superficiais que se querem originais ou
provocadoras (‘Conversation sur l’ouevre d’art”, Revue Peuples et Cultures)
A
“inovação aceitável” é um critério que o público do teatro ocidental aceitará
com facilidade, preocupado como está de, ao mesmo tempo, descobrir uma técnica
ou uma mensagem nova e de não ser maltratado demais em suas esperas e seus
atos. A tais esperas e resistências ditas “analíticas” que “provêm dos
bloqueios afetivos e/ou sexuais”, resistências “desencadeadas por obras que
encenam a sexualidade, as pulsões, as fantasias sexuais (o surrealismo por
exemplo), ou que evocam o trágico, a destruição, a crise e suscitam angústia de
desespero” (P. Gaudibert, idem). Além dessas resistências a vencer, a avaliação
diz respeito à autenticidade da obra e à experiência humana e artística
daqueles que lhe deram nascimento, com o risco de voltar a cair no pântano da
psicologia do autor.
Ou então no discurso sobre o estilo: o estilo
de uma encenação de um artista, (encenador, cenógrafo, iluminador ou ator) é
sem dúvida possível enumerar algumas características próprias a um artista ou à
série de suas criações, características que acabam por constituir uma marca de
fábrica ou uma assinatura. Estilística, no entanto muito superficial que faz do
estilo um “je-ne-sais-quoi” muito rápido que é apenas uma primeira abordagem
tipológica e que é preciso imediatamente complementar – como tentamos fazer
aqui – com a análise sistêmica dos componentes da encenação, de seus processos
criadores e dos resultados produzidos. “A tentação estilística” conduz a uma
outra tentação tão suave quanto: a da crítica normativa dos “erros” da
encenação, da localização de suas disfunções ou de suas incoerências.
Inesperada
em uma teoria da encenação que se esforça pela objetividade e evita qualquer
julgamento de valor, a crítica normativa dos “erros” se aplica a localizar as
incoerências e as inconsequências do espetáculo em relação a uma linha de
conduta, a uma lógica de conjunto, a princípios implícitos da encenação, em
suma, àquilo que às vezes foi nomeado metatexto ou discurso da encenação. Vai
se tratar, por exemplo, de estabelecer se o ator permanece fiel a um estilo de
jogo ou se o sistema das entradas e das saídas convém ou não às escolhas
cenográficas etc. Em suma, qualquer processo novo será examinado em função de
seus antecedentes: estaria ele na lógica do que o precede, ou então contradiz
as escolhas dramáticas e cênicas, fere o objetivo global ou então abre uma
perspectiva nova e voluntariamente assumida? O que sai do quadro proposto é ora
um erro da encenação, ora um meio de manter a atenção do espectador em alerta.
A encenação se situa sempre entre o caos e a redundância, entre ausência de
ordem localizável e sistematicidade pesada demais. Ela está regida em duas tendências
contraditórias: a necessidade de ordem e regularidade, sentida em conjunto pelo
encenador e pelo espectador; a tendência à complexificação da mensagem e a sua
propriedade auto-organizadora, pois a encenação atual parece com um sistema de
auto-organização: “para que um sistema tenha propriedades auto-organizadoras, é
preciso que a redundância inicial tenha um valor mínimo, já que essas
propriedades consistem em um aumento de complexidade pela destruição de
redundâncias” (Henri Atlan, “Entre le cristal et la fumée. Essai sur
l’organization du vivant”, Paris: Seuil, 1978). Há, pois, um perigo real em
erigir o metatexto em princípio auto-organizador inflexível sem que o menor
afastamento da norma possa abrir a encenação a um sentido novo ou aumentado. Em
suma, os “erros” podem ser voluntários e arranjados, destinados a manter a
atenção do espectador à espreita, eles são muitas vezes o resultado de decisões
artísticas ou organizacionais da encenação.
(Patrice Pavis,
A Análise dos Espetáculos, SP: Perspectiva, 2008)
(Trecho)